Retirado de
http://www.letras.ufmg.br/literafro/data1/autores/92/dados.pdf
Lima Barreto
Escritor e jornalista polêmico, e um dos mais destacados intelectuais brasileiros com atuação nas primeiras décadas do século XX, Afonso Henriques de Lima Barreto é considerado por Octavo Ianni como um dos fundadores da literatura negra ou afrobrasileira.
Coincidentemente, o escritor nasceu no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1881, filho de João Henriques de Lima Barreto e Amália Augusta Barreto – ambos mestiços.
Tinha como avó uma escrava liberta, Geraldina Leocádia da Conceição, agregada da família Pereira de Carvalho, cuja mãe, Maria da Conceição, nascera na África, tendo sido transportada para o Brasil em um navio negreiro. A figura dessa bisavó parece permear o imaginário do escritor, como destaca seu biógrafo, Francisco de Assis Barbosa, ao resgatar uma das crônicas do autor, publicada em 1918:
Era da África, de nação Moçambique (...) viera ainda rapariguinha para aqui, onde tivera para seu primeiro senhor os Carvalho de São Gonçalo; conhecera D. João VI, e, sobre ele, desconexamente, contava uma ou outra coisa avaramente guardada naquela estragada memória. (BARBOSA: 1952, 22)
Lima Barreto era proveniente de uma família humilde. Seu pai exerceu por muitos anos o ofício da tipografia em jornais importantes da época, tais como Jornal do Comércio e A Reforma. Sua mãe trabalhou como professora, em uma pequena escola fundada pelo marido, porém, dela se afastou devido aos problemas de
saúde que apresentava. Amália Augusta foi a primeira mestra do escritor, vindo a falecer quando o filho tinha 7 anos de idade, vítima de tuberculose. A esse episódio fatídico o autor vincula seu temperamento introspectivo, quando desabafa:
Talvez fosse menos rebelde, menos sombrio e desconfiado, mais contente com a vida, se ela vivesse. Deixando-me ainda na primeira infância, bem cedo firmou-se o meu caráter; mas em contrapeso, bem cedo me vieram o desgosto de viver, o retraimento por desconfiar de todos, a capacidade de ruminar mágoas sem comunicá-las a ninguém. (BARBOSA: 1952, 44)
Contando com o auxílio do padrinho de batismo, o Visconde de Ouro Preto, completou o ensino ginasial no colégio Pedro II. Em 1897, entra para a Escola Politécnica. As condições precárias da família, principalmente após a morte da mãe e a doença mental que assolava o pai, fizeram com que Lima Barreto abandonasse o sonho que seu pai alimentava e a ele transmitia: fazer do filho um engenheiro. Assim, o escritor abandona o curso da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, para que pudesse trabalhar e assumir o sustento da sua família. Porém, já na mocidade sonhava em tornar-se um literato – um sonho ao qual se impunham barreiras, como ressalta Barbosa ao reproduzir um desabafo do autor:
‘É triste não ser branco’ escreveu Lima Barreto em seu Diário Íntimo, resumindo numa confidência amarga todas as limitações que sofria. Mais que um complexo, a cor era uma barreira para a sua vocação de escritor. Tinha que transpô-la, mesmo que não conseguisse vencer o complexo. (BARBOSA: 1952, 144)
Parece-nos que Lima Barreto tentava transpor a “barreira da cor” através da produção literária, a qual iria dedicar todos os seus esforços. Parece-nos também, ao lermos o Diário Íntimo e O cemitério dos vivos, que o complexo viria a agravar a melancolia, a angústia e o sofrimento do escritor.
Em 1902, Lima Barreto passa a atuar na imprensa estudantil; muda-se, juntamente com sua família, para o subúrbio do Rio de Janeiro e ingressa, através de Concurso, na Secretaria da Guerra. Com o modesto ordenado que recebia como funcionário público, passa a dedicar-se à literatura. Inicia em 1904 a escrita da primeira versão do livro Clara dos Anjos, que só viria a ser publicado em 1948. No ano seguinte, escreve Recordações do escrivão Isaías Caminha e, ao mesmo tempo, começa sua carreira como jornalista profissional no Correio da Manhã. Nesse período, também se dedica intensamente, nas salas da Biblioteca Nacional, à leitura dos clássicos da literatura mundial, das obras realistas e dos romancistas russos. Alguns anos depois, escreve o romance Vida e morte de M. J. Gonzaga. Em 1911, durante três meses, publica Triste fim de Policarpo Quaresma, em formato de folhetim, no Jornal do Comércio.
O vício da bebida, que desembocaria no alcoolismo crônico do autor, apresenta suas primeiras manifestações, porém não o impede de continuar colaborando em diversos jornais da época. Em 1915, seu romance Numa e ninfa sai publicado no periódico A Noite. No ano seguinte, surge em livro o romance Triste fim de Policarpo Quaresma, juntamente com os contos "A Nova Califórnia" e "O homem que sabia javanês", sendo o volume bem acolhido pela crítica da época que via em Lima Barreto o sucessor literário de Machado de Assis.
Em 1917, após a primeira intervenção médica sofrida pelo escritor, que consistia em sua reclusão no hospital psiquiátrico, Barreto entrega ao editor os originais de Os Bruzundangas, que só viria a ser publicado após sua morte. No ano seguinte, após o diagnóstico de epilepsia tóxica, é afastado do trabalho e aposentado. Logo depois se candidata a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, mas seu pleito é recusado. No início de 1919, suspende a colaboração no semanário político A.B.C., por ter a revista publicado um artigo contra a raça negra, com o qual não concordava. Pela segunda vez, candidata-se à vaga na ABL, não conseguindo êxito. De dezembro a janeiro do ano seguinte, é internado no hospício devido à forte crise nervosa que o acometia, disto resultando as anotações dos primeiros capítulos da obra O cemitério dos vivos, publicada em 1953 junto com seu Diário íntimo. Recebeu menção honrosa na categoria melhor livro do ano com o romance Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá.
Já com a saúde debilitada, Lima Barreto se recolhe à modesta casa do bairro de Todos os Santos e à difícil convivência com as crises do pai. Em 1921, candidatase pela terceira vez à Academia e logo depois retira sua inscrição. Entrega ao editor os originais de Bagatelas, que só seria publicado em 1923. No fim da vida, o escritor sofre também frequentes crises de reumatismo. E vem a falecer em 1° de novembro de 1922, vítima de colapso cardíaco. Dias depois, falece o pai. Ambos estão sepultados no cemitério São João Batista, onde o escritor desejava que fosse a sua última morada.
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